A Cega Natureza do Amor
CONTOS, 2009, 2ª EDIÇÃO
Um padre que engravida. Uma esposa que tortura diariamente seu marido. Uma mulher que enlouquece à espera do retorno do seu grande amor. Uma mulher trans que deve decidir se faz finalmente a última grande mudança.
A segunda edição de “A Cega Natureza do Amor” traz os 13 contos da edição originalmente publicada em 2008 + 5 contos inéditos. São histórias que mostram o amor em suas diferentes facetas, desde o romântico até o platônico, desde o fraternal até o repulsivo.
Histórias de amores diversos e personagens extremos, que revelam sua paixão pela vida da forma mais intensa possível. Ou impossível.
Quando teus olhos deslizaram nos meus tal qual a sombra de uma nuvem sobre a montanha
Conto do livro “A Cega Natureza do Amor” de Patrício Júnior
talvez você caiba num poema
tal qual me coube dias atrás
talvez você até me cresça
me acrescente, aquiesça
talvez você traga a paz
ou talvez você precise ser prosa, dessas confusas que costumo compor, dessas de frases longas às vezes sem vírgulas, que todo mundo já conhece e nem se surpreende quando lê. não sei, sinceramente, quais teus ritmos. e me esforço tão poderosamente para conseguir compor algo original, explosivo, lancinante, entorpecente, místico, quando só me saem supra-adjetivações, tudo soando de repente muito vazio, crise criativa e tudo mais, porque vivi um momento maior que todas as ficções, todos os textos, todas as tramas, vivi protagonistas-se-reencontrando-acidentalmente, vivi beijo-esperado-que-demora-pra-acontecer, vivi diálogos-poéticos-como-se-escritos-com-rebuscamento-até-de-métrica. e viver tudo isso marca demais, você nem consegue supor. teu corpo dançando numa liberdade incrível, um sorriso tão bonito quando eu disse que estava com ciúmes, um abraço de unhas cravadas como há muito não levava. por isso, não consigo te compor em letras, não consigo te encaixar num texto, não consigo ser um autor melhor do que o nobel de literatura que escreveu nossa história. não consigo
ser mais que apenas vago
ser mais que apenas isso
ser mais que desperdício
das letras que eu estrago
sou cego surdo mudo
tu olhos boca ouvidos
sou puro e tanto vício
ao notar que quase tudo
que sou está ligado de alguma forma ao que você é, consegue compreender? dá pra imaginar o peso de ver de repente toda aquela história de não-importa-porque-você-não-me-ligou-só-importa-que-estamos-aqui-agora se tornando realidade? você sabe o quanto esperei pra ouvir um afago assim? você sabe como me fazia falta não dar a mão, não dançar junto, não sentir ciúmes, não me despedir com lágrimas, não recordar com suspiros? você não sabe, eu sei que não sabe. porque agiu tudo isso de uma forma tão sincera, tão você, que não podia ser premeditado. na estrada, distanciando-me, já pensando no que escrever para marcar aqueles momentos, você me veio como um bloqueio. grande. branco. infinito. um implausível bloqueio para tudo o mais que não te fosse. como se eu montanha e você nuvem, a sombra do que nos une deslizando imperceptível, lenta, minuciosa. e todo o mais bloqueado. não sei agora, neste exato momento
se consigo ser completo
sem teus olhos me apalpando
se preciso estar liberto
do abraço dos teus sonhos
mas sei de uma coisa que nunca vou dessaber: ainda escrevo algo que represente perfeitamente a mistura de tudo que você me constrói,
um dia descrevo
esse desterro
que me corrói.