Não faz o menor sentido ter um blog hoje em dia, por isso que tenho

A gente vive essa era aí que todo mundo tá vendo. Uma era de infoxication, oversharing, comunicação fragmentada, briga por likes, qualquer coisa por engajamento. Uma era em que a inteligência artificial avança, mas a gente ainda não sabe se vai avançar junto com ela; em que artistas e pensadores acusam robôs de surrupiarem seus trabalhos. Uma era em que ideias são pensadas para convencer algoritmos, e não para encantar pessoas.

Em compensação, é uma era em que pensadores se conectam de uma forma inédita na História da Humanidade. Com letra graúda sim. Estamos falando de um período histórico em que, por exemplo, filósofos da Nigéria podem debater com pares recifenses em tempo real, sem sair de casa. E abrir valiosas discussões, e gerar revolucionários conhecimentos, e transformar percepções de realidade por todo o mundo. Com um clique.
Estou falando de uma era com tanta informação ao alcance dos dedos (caótica, desorganizada, carente de fontes) que o conhecimento virou ouro. Conhecimento, sabemos, é bem diferente de informação. Surge da visão crítica, da vivência e da observação das vivências, do comichão. Sim, aquele comichão inexplicável que alguns sentem. Aquela vontade de explicar o mundo e se surpreender com a própria ignorância quando ouve outras explicações. Eu tenho esse comichão, e você?

Era tudo mato quando cheguei aqui

Comecei com essa coisa de blog lá pelo ano 2000. Um particularmente especial para mim. Durante a maior parte da minha vida, o ano 2000 era o que a gente enxergava como o limiar do passado. Era o mais próximo do futuro que eu já havia sonhado estar. Seria quando teríamos carros voadores, roupas metálicas, odisseias espaciais, traquitanas tecnológicas e futuro. Sim, no meu futuro teríamos futuro.

Chegamos, porém, aos anos 2000 cansados de esperar por um futuro que não aconteceu. Sem carros voadores, sem roupas metálicas, sem viagens no tempo. Mas com uma coisa que jamais sonhei, nem nos meus delírios mais febris. A internet.

Essa coisa que hoje é onipresente na vida de quase todo mundo dava então seus primeiros passos. E eles eram enormes. Largos, descomunais, imprevisíveis. Cada vez que o modem se conectava através da linha telefônica à rede mundial de computadores (sempre após a meia noite porque era mais barato), a internet era uma coisa absolutamente diferente de ontem. Era um ser não-vivo que se transformava num ritmo muito mais acelerado que os 50kbytes de velocidade de conexão (era sofrido sim, nem fala).

Não havia limites naquela internet. Não havia layout certo, não havia tamanho de título adequado, não havia a noção de engajamento. Era uma internet em que explorávamos possibilidades criativas sem amarras a feeds, reposts ou likes.

Na época, a gente chamava de blogar. E foi assim que bloguei. Em vários domínios, com vários intuitos, explorando diversas linguagens e facetas. Não havia monetização, não havia manual de instruções, não havia agenciadores e atravessadores. Ainda assim, nunca ganhei tanto. Amigos, parceiros, colegas, seguidores. Até fãs! Digo “até fãs” não por falsa modéstia, mas para destacar uma outra transformação: naquela época, as pessoas não precisavam de endosso para gostar do trabalho de alguém. Não havia likes, algoritmos, charts. Havia só você, uma barra de pesquisa e sua disposição em se perder na espiral da internet sem redes sociais. Era tudo mato naquela época.

Vamos blogar?

Óbvio que tudo mudou. É condição sine-qua-non da internet essa coisa de se transformar. Fui acompanhando as transformações. Vibrando, lamentando, observando, me adaptando — e muitas vezes, me negando a me adaptar.

E criando também.

A internet nunca deixou de ser parceira do que realizo. Livros, filmes, textões, ideias malucas. Nunca perdi o espírito caótico daquela internet de antes. Sem formatos, sem amarras, sem limites. Recomeço a blogar com algo que nunca pensei que pudesse estar atrelado ao ato de blogar: um sentimento vintage. Me sinto antigo, e ao mesmo tempo renovado.

O caos da internet pode ser mais organizado por aqui. Esse blog será um espaço para jogar minhas ideias em forma de textões, crônicas, contos — o que der na telha, pra usar uma expressão da minha idade. Mas também para contar sobre meu trabalho. Das coisas que realizo e não rendem boas fotos pro feed, nem reels que viralizam, nem muito menos likes.

Percebi que meu trabalho é diante de uma tela em branco, numa agonia faminta pela palavra correta, com horas olhando para a parede enquanto minha imaginação viaja por mundos que a câmera do celular não consegue registrar. O que faço não tem o verniz necessário para brilhar numa timeline. Mas cabe bem em texto. Cabe bem em um blog.

Ter um canal em que registro meus pensamentos, e expando redes, e conecto ideias, e espalho debates, e experimento linguagens, e mitigo um pouco da desolação do escritor enfurnado em seu gabinete, não parece tão absurdo assim. Cinco minutos em qualquer feed vai mostrar que as pessoas estão dispostas a coisas muito mais absurdas para chamar atenção ao seu trabalho, não é mesmo?

Vamos blogar então.

Categorias: Textão

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