Diário de um cineasta iniciante — Prólogo: “Eu desisto”

Vou fazer um filme. Esse texto inteiro é só pra dizer isso. Mas é importante desenhar o caminho que leva da ideia ao filme. Principalmente porque quando escrevi o roteiro de “Reversível”, já havia desistido de contar a história de “Reversível” três vezes.

Primeiro, tentei escrever um romance. Criei ficha de todos os personagens (personalidade, background, aparência física, conflitos externo e interno), estruturei a trama principal, elaborei subtramas, amarrei tudo na interminável tarefa de colar post-its na parede. Desisti. O que eu queria contar, de alguma forma, se rebelava quando eu tentava encaixar num romance.

A segunda tentativa foi um conto. Cortei tudo que podia cortar sem que a trama perdesse o sentido, e fiquei com o que considerava o mel do melhor dessa história. Quando escrevi o primeiro parágrafo, o texto parecia pobre. Não brilhava. Era como se eu estivesse cumprindo uma tarefa com timesheet e hora de largar. Eu insisti. Fui adiante. Teimei. Acabei com um documento de quatro páginas que contava tudo, mas só. Nenhuma frase boa, nenhum momento instigante, tudo meio apressado e repentino e sem graça. O conto não abraçou a história.

Passei meses com “Reversível” calcificada dentro de mim. Pedindo para ser contada, sem que eu pudesse contá-la.

Até que percebi uma coisa óbvia: a força de “Reversível” estava nas imagens que a história criava. No silêncio com que os personagens se entendiam. No estranhamento de ver a sequência de fatos sem sentido que só se amarravam ao final. “Reversível” não era um romance, não era um conto. “Reversível” era um filme.

O conto acabou virando, sem muito esforço, um argumento. Toda a estruturação da história se transformou em visão do diretor, justificativa, contrapartidas. Escrever o roteiro do curta-metragem no qual “Reversível” se transformou foi quase uma evolução natural do trabalho que vinha fazendo, e não sabia nomear. Rapidamente, eu tinha um projeto escrito, pronto para submeter a editais.

O primeiro edital que tentei não deu certo. Fiquei na suplência, o que me faz acreditar que AINDA não deu certo. Mas no segundo edital que tentei, sem a menor esperança de que prosperasse, tudo deu certo. Não tinha esperanças porque era um edital do MINC, de abrangência nacional, uma concorrência com cineastas iniciantes de todo o Brasil. Mas estava lá no PDF com o resultado final: APROVADO.

“Reversível” foi chancelado pelo MINC, e nem preciso dizer a honra que é estrear com um trabalho que já vem com essa chancela. Agora estou pronto para gravar esse curta. E é justamente agora, depois de tanto trabalho, que o trabalho realmente começa.

“Diário de um cineasta iniciante” é uma série de textos em que conto o processo de produção do meu primeiro curta-metragem. Desde as reuniões de pré-produção até o lançamento. Depois de tantas serendipidades em torno desse projeto, só posso afirmar uma coisa: desisti muitas vezes dessa história, mas ela nunca desistiu de mim. Vai entender.

Categorias: Diário de cineasta, Textão

2 comentários em “Diário de um cineasta iniciante — Prólogo: “Eu desisto””

  1. Sandra Karila

    Eu também não desistiria de você, meu amigo. Que história mais teimosa e sortuda…
    Te admiro, te respeito, te quero muito bem. Feliz demais por você. Grande beijo.

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